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A SUDENE

Por: Deputado INOCÊNCIO OLIVEIRA
O Governo Federal parece ter receio de que volte uma SUDENE forte
O SR. INOCÊNCIO OLIVEIRA (PFL/PE pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados: Ocupo hoje, esta tribuna, para fazer um apelo aos Srs. Líderes de Bancadas para que se unam em torno do Projeto de Lei Complementar nº 76, de julho último, que recria a SUDENE, instituindo-a como autarquia especial, administrativa e financeiramente autônoma, e restaura o princípio do planejamento regional estabelecido na Constituição.
Trata-se de uma promessa de campanha eleitoral do Senhor Presidente da República, assumida em praça pública, reiterada quando do lançamento do projeto em Fortaleza, no ano passado com toda pompa e circunstância e a presença de expressivas lideranças políticas e empresariais de todo o país.
Publicam jornais do Nordeste, nos últimos dias, análises críticas sobre esses 3 anos sem SUDENE, desde o governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, atribuindo à “falta de interesse do Governo federal em definir os rumos da volta da SUDENE”, em que pesem os esforços de integrantes da bancada nordestina encaminhando à Mesa o pedido de votação em regime de urgência. Mas, na prática, temos as votações prioritárias das Medidas Provisórias e, pelo que sei, os trabalhos de análise da Mensagem 351/2003 – Projeto de Lei Complementar nº 76 estão, penosamente, lentos.
A Medida Provisória que trata da Reforma Tributária, poderá, no seu bojo, abranger o Fundo de Desenvolvimento Regional do qual 2% constituiriam, também, receita futura da SUDENE; e isto, a meu ver, poderá ser um dos complicadores da passagem do Projeto nº 76 nesta Casa.
O debate em torno da utilização dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional não pode continuar impedindo que o Projeto de Lei Complementar nº 76 seja analisado, com prioridade, para que a autarquia regional volte a funcionar, paralelamente à discussão da reforma tributária que, no seu escopo, inclui a repartição das receitas da União com os Estados e Municípios. O que se quer é o cumprimento dos dispositivos constitucionais que determinam a redução das desigualdades regionais que ainda marcam, profundamente, o Nordeste em relação ao Sul e, principalmente, ao Sudeste do país.
Retorno aos dispositivos da nossa Constituição de 1988, a chamada “Constituição Cidadã” quando, no capítulo das Finanças Públicas, Seção II – dos Orçamentos, trata da obrigatoriedade do Plano Plurianual, fixando, no Art. 165, § 1º: “A Lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.”
O Brasil não é nem nunca foi um país homogêneo, econômica e socialmente. Desde a Colônia, passando pelo Império, a República Velha e o Estado Novo. No final da década de 50, o Presidente Juscelino Kubitschek reparou esse erro histórico, instituindo o planejamento regional, integrado ao planejamento nacional e sob um comando único: o do economista Celso Furtado, que primeiro criou o GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste e, em seguida foi levado ao Ministério do Planejamento no governo Goulart. Mas, já em 1955, estudos do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) – criado, por sua vez, em 1952 – mostravam a necessidade da instituição de um órgão de planejamento e coordenação da política do Governo Federal para a região.
Depois do GTDN, veio o CODENO – Conselho de Desenvolvimento do Nordeste, transformado, posteriormente, na SUDENE, com o objetivo de promover e coordenar o desenvolvimento da região. Dotada de fortes incentivos fiscais e financeiros – isenção dos impostos de importação sobre máquinas e equipamentos, isenção de imposto de renda para investimento e reinvestimento – a SUDENE atraiu, nas duas primeiras décadas – 60 e 70, investidores multinacionais e brasileiros mas, é bom que se diga a verdade, nunca foi aceita plenamente pelo “establishment” paulista, que sempre enxergava o fortalecimento econômico do Nordeste como respaldo do fortalecimento das elites políticas do Nordeste, que atuavam, com presença e constância, como é o caso, ainda hoje, no cenário nacional, no Legislativo e no Judiciário, além dos quadros intermediários do Executivo em Brasília. Essa é a errônea radiografia sociológica do Nordeste; e, através dela, é que devemos entender a lenta extinção da SUDENE e o esvaziamento do sistema de incentivos fiscais e financeiros, que o Senador José Sarney, com a sua sensibilidade de escritor público, com alguma coisa de sociólogo e cientista político, já analisou em artigo na Folha de São Paulo, e que tive a oportunidade de comentar em discurso aqui na Casa.
Esse esvaziamento começou com a extensão territorial dos incentivos fiscais e financeiros, antes restritos aos nove estados do Nordeste e área mineira do polígono das secas e, mais tarde, pulverizados com a criação do FISET – Fundo de Investimentos Setoriais, e do PIN e PROTERRA.
Ora, o que o Nordeste reivindica, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, é muito pouco face ao que existe na Europa, hoje Federada, ou melhor diria, Confederada, com a entrada de mais 10 países, formando uma futura Comunidade Política e Econômica de 25 países.
Por outro lado, não se pode acusar as elites políticas e empresariais do Nordeste de terem sido omissas no processo de esvaziamento da autarquia. Aqui no Congresso, os líderes políticos, e também na mídia, sempre alertaram para as tentativas explícitas e solertes de abalar o sistema de incentivos fiscais e financeiros e contra as campanhas de desmoralização, que citavam casos isolados de desvios na aplicação desses mesmos incentivos e na utilização de recursos do FINOR – Fundo de Investimentos do Nordeste.
Ao longo de 40 anos, a SUDENE, o FINOR e o Banco do Nordeste proporcionaram um saldo altamente positivo para a região, permitindo a criação de mais de 600 mil empregos e milhares de empresas industriais, agrícolas e de serviços, e apoiando o setor energético e de telecomunicações, que hoje respondem pela maior parte da arrecadação de impostos federais e estaduais. Se algumas empresas fecharam, e isto é normal no processo de desenvolvimento, por que condições de mercado, de gerência e alternância de custos fazem parte do ato de empreender, que nem sempre é vitorioso, muito menos eterno. Mas há exemplos – e muitos – de “histórias de sucesso” empresarial que estão aí para todos verem, um deles o pólo têxtil de Fortaleza, os pólos de turismo do Ceará, do Rio Grande do Norte e Pernambuco, o Porto de Suape, a produção de frutas e vinhos no Vale do São Francisco, o pólo metal-mecânico, a indústria de alimentos, também em Pernambuco.
Apesar de todo esse esforço e dos investimentos públicos, repito, a face do Brasil ainda não é a de país homogêneo, quer do ponto de vista econômico, quer do ponto de vista social. Politicamente o somos, graças ao legado português, que nos deixou uma superfície continental, cujas fronteiras foram consolidadas nos séculos XVIII e XIX e no início do século XX pela diplomacia de um Rio Branco e da sua equipe do Itamaraty.
Desse fato ressalta a importância, que reivindico sempre, de uma política regional para o Brasil, ou melhor, de políticas regionais para a Amazônia, o Nordeste, o Centro-Oeste, o Sudoeste, e sub-regionais para alguns bolsões de pobreza do Sudeste e do Sul – em Santa Catarina, no Paraná, no Rio Grande do Sul, na Baixada Fluminense.
Nessa moldura de uma política nacional, que seja inter e intra-regional, tenhamos a coragem de fazer do Estado um instrumento a serviço da Nação brasileira.
Uma região, como o Nordeste, cuja renda “per capita” é apenas metade da renda “per capita” nacional, precisa de ter uma política especial, um planejamento regionalizado. O Ministro da Integração Nacional, Dr. Ciro Gomes, na Exposição de Motivos que enviou ao Presidente da República, propondo a recriação da SUDENE (EM 00033/MI), em 26 de julho de 2003, reconheceu que, nas últimas décadas, e apesar da SUDENE, principalmente em termos sociais, “as conquistas foram muito modestas. Os indicadores sociais continuam a situar a região nos mais desfavoráveis postos, em comparação com qualquer das demais regiões do país”. E propunha, com o que naturalmente todos concordamos, “que é preciso enfrentar a questão nordestina na perspectiva da superação da pobreza.”
Não é de hoje que estudiosos vêm propondo uma nova abordagem dos problemas regionais do Brasil, dentro de um planejamento nacional a que está obrigado o Governo pela própria Constituição (artigo 165, seção II Dos Orçamentos). É claríssimo o § 4º: “Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional”.
Pois, pergunto eu: onde está o Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste a ser obrigatoriamente proposto pelo Presidente da República ao Congresso? Ou o Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia? Ou o Plano de Desenvolvimento do Centro-Oeste? Ou os Planos Setoriais para a economia, como um todo? O Plano Plurianual como está e foi entregue, é um conjunto de intenções.
O que se viu, recentemente, foi uma “mise-en-scène” de irem o Presidente da República e seus Ministros – nove, se não me engano – à CNI, para discutir uma política industrial, portanto setorial, cujos detalhes ainda não se conhecem. E para a qual há sugestões muito concretas dos empresários industriais, em particular da FIESP.
Já em 1958, Gilberto Freyre, cuja lúcida visão dos problemas brasileiros ultrapassava os campos da Sociologia e da Antropologia, em conferência no “Fórum Roberto Simonsen”, do Centro e Federação das Indústrias de São Paulo, propunha, textualmente, “uma nova orientação para as relações intranacionais no Brasil”. Isto é: “um reexame da política da República para as regiões e os estados do Brasil, nos campos econômico e social”. Ele já se posicionava contra o “pan-industrialismo urbano” centrado em São Paulo, que relegava, como se fosse um novo Plano Morghentau para a Alemanha do pós-guerra, as outras regiões do Brasil a um “status” de regiões agrícolas ou de produção industrial-artesanal ou meras produtoras de insumos para as indústrias paulistas, dentro de uma ótica perversa de “satelização” industrial e econômica inaceitável e politicamente intolerável.
E mais ainda: ele pregava, como eu hoje defendo no plano pedagógico, a “desconcentração” no país. Desconcentração da indústria e planejamento regional e até sub-regional, para evitar – como ocorre em Pernambuco, há muitas décadas – o contra-senso de uma Universidade Rural ficar situada em área urbana.
Há políticos no Brasil ainda hoje que, cegos pela visão localista, setorialista, põem acima do Brasil, o eleitor. Ou o Estado, o partido ou o grupo econômico a que pertencem ou se acham ligados, “esquecidos esses políticos” – vamos repetir o mestre de “Casa Grande & Senzala” – “que homem público nenhum é digno desse nome quando lhe falta a visão dos conjuntos nacionais, dentro dos quais, no estado atual da divisão da sociedade humana em sociedades nacionais, por sua vez divididas em grupos regionais, causas como a do trabalhismo, como a do agrarismo, como a do industrialismo, por maior que seja a importância de cada uma, precisam de ser, principalmente, consideradas pelo homem público, em suas relações com as causas que lhes são direta ou indiretamente complementares.”
Palavras proféticas, as de Gilberto Freyre em fins dos anos 50, que hoje se aplicariam muito bem à urgência de restaurar-se, entre nós, a noção de planejamento regional complementar ao planejamento nacional ou integrativo desse mesmo planejamento nacional, que não parece interessar aos que vêm na prevalência do Mercado, como novo Deus “ex-Macchina”, a solução para os problemas nacionais. Estes seguem a cartilha do “Consenso de Washington” como alunos mais do que aplicados e que, além de fazerem o “dever de casa” do superávit primário, exigido nos acordos do FMI, deram horas extras, o que não lhes foi pedido, tudo à custa das restrições a investimentos públicos reclamados pelos municípios e estados. E também à custa da geração de empregos e renda para os setores mais desvalidos da sociedade brasileira.
Não vamos esquecer, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, que o Nordeste teve, até 1973, Quatro Planos Diretores de desenvolvimento econômico e social, perfeitamente integrados aos Planos Nacionais, e que nunca faltaram recursos à autarquia, com as liberações de verbas orçamentárias e do FINOR.
Hoje, o que se vê? Há cerca de um bilhão e oitocentos milhões de reais do FINOR bloqueados no Tesouro em nome dessa natimorta ADENE que, no papel, seria a agência sucessora da SUDENE. Arriscamos perder mais 750 milhões de reais este ano, aproximadamente, se o Projeto de Lei Complementar nº 76 não for aprovado.
Lançou-se o projeto do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional para deixar os Governadores do Nordeste discutirem a divisão do bolo e o tamanho das fatias de cada um, esquecendo-se de que o importante é garantir a recriação da SUDENE e a restauração do planejamento regional e do sistema de incentivos fiscais e financeiros para o Nordeste. A divisão do FDR entre os Governadores é um problema pontual, priorizando medidas imediatas, sem levar em consideração o grande objetivo de incorporar milhões de excluídos no contexto sócio-econômico do país.
O Governo Federal parece ter receio de que volte uma SUDENE forte e se restaure uma suposta “política dos Governadores” como existiu na República Velha. Teme o núcleo do Poder no Planalto que o Nordeste, restaurada a SUDENE, unido, influencie nas decisões administrativas e financeiras do país. Para esse “núcleo de Poder” é preferível que as coisas fiquem como estão, paradas, na administração pontual de recursos para secas e cheias, que tardam sempre a chegar. Como diziam os latinos: “Fiquem as coisas como elas estão. Ou estavam.”
As disparidades regionais em um país das nossas dimensões deverão constituir-se, ainda por longo tempo, em um dos maiores e certamente mais difíceis desafios a serem enfrentados pelo planejamento econômico do país, dizia ainda em 1976 o economista Roberto Cavalcanti de Albuquerque, quando atuava no IPEA. E, o que é surpreendente, dois dos supostos teóricos básicos usados por Celso Furtado ao elaborar o Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento do Nordeste ainda permanecem, 44 anos depois da SUDENE:
1. – “O Nordeste, onde vive um terço da população do país, não está acompanhando o desenvolvimento da economia nacional, razão pela qual se aprofunda, dia a dia, um desequilíbrio de caráter regional”;
2. – “Os maiores investimentos do Governo Federal no Nordeste não têm conduzido a um aumento apreciável do ritmo de crescimento, o que parece indicar redução concomitante na eficiência desses investimentos.”
Dizia Hélio Jaguaribe, em 1999, que um dos três obstáculos com que se defrontava o país para atingir a sua autonomia econômica, dentro do espaço latino-americano, era “a prosperidade e dinamismo do Centro-Sul versus o renitente subdesenvolvimento do Nordeste.”
Chamo a atenção para o fato de que um planejamento regional novo no Brasil, com a recriação da SUDENE e da SUDAM, terá de levar em consideração a reorganização do espaço rural brasileiro e não apenas urbano, aquele ocupado hoje por forças produtivas que sustentam o agronegócio em vários setores da produção rural que tem carreado valiosos resultados para o país. E esse raciocínio se aplica, também, ao espaço rural de outras regiões, principalmente do Sudeste, do Sul e do Centro-Oeste.
Essas disparidades interrregionais só poderão ser superadas com maciças transferências de recursos da União para o Nordeste, via Orçamento Federal. E o instrumento legal para isso é a recriação da SUDENE, que o Projeto de Lei Complementar nº 76 contempla.
Vamos cerrar fileiras, patrioticamente, para que isto ocorra, conscientes de que, reintegrando a SUDENE ao Nordeste, estaremos prestando um serviço ao Brasil, às suas gentes e ao seu futuro como Nação soberana dentro do Estado federativo.
Muito obrigado!
Sala das Sessões, em 12 de maio de 2004.

Deputado INOCÊNCIO OLIVEIRA
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