Por: Deputado INOCÊNCIO OLIVEIRA O Governo parece temer a liberdade de imprensa e as críticas. Um Governo que nada teme, encoraja as críticas e capitaliza as que são justas.
O SR. INOCÊNCIO OLIVEIRA (PFL/PE pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados: Só os Governos autoritários e ditatoriais, ao longo da História, tentaram calar as vozes da Imprensa, seja pelo empastelamento dos veículos de informação, seja pelas formas mais sutis da legislação controladora, punitiva e fiscalista. Foi assim no Brasil do Estado Novo, na chamada “Era Vargas”. E, também, nos anos de chumbo da Ditadura Militar. E para só falar da República Velha, por que no Império foram inúmeras as ações do Governo Imperial contra jornais e jornalistas, que tratavam de temas incômodos, que não eram do agrado do governo ou não se pautavam pelos ditames do que os poderosos de plantão chamavam de “o bom jornalismo” ou “o jornalismo sadio”. Nesses tempos o que importava era o “discurso apologético”, as interpretações dos Departamentos de Imprensa e Propaganda ou dos Secretariados Nacionais de Informação ou dos DOPS, que se criavam nas Secretarias de Segurança Pública dos Estados brasileiros. O Brasil, nesse ponto, imitou e ultrapassou o Portugal Salazarista como bem demonstra José Rebelo no seu estudo sobre as “Formas de Legitimação do Poder no Salazarismo” (Lisboa, 1998, ed. Livros e Leituras). A esse propósito, o grande jornalista Victor Cunha Rego, que fugiu do Salazarismo para viver no Brasil e foi editorialista da “Folha de São Paulo” e do “Estado de São Paulo”, respondia a um amigo, pouco antes de morrer, já de volta a Portugal, vendo as formas sofisticadas de controle da Imprensa – ou da mídia, como dizemos hoje – pelo Poder Político de conluio com o Poder Econômico: - “E você o que espera, Cunha Rego, hoje em dia?” - “Estou à espera” – disse ele – “do regresso do Fascismo”. Pois, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o que estamos assistindo, neste momento? O projeto que o Governo manda a esta Casa, propondo a criação do Conselho Federal de Jornalismo e dos Conselhos Regionais de Jornalismo é a volta de uma mistura de Fascismo e Stalinismo, para fiscalizar a ação dos jornais e dos jornalistas, argüindo-se em Juiz e Inquisidor do que é “bom” e o “mau” jornalismo, ao levantar a suspeita de que os veículos de comunicação trazem “informações inverídicas” (sic) ou “mal apuradas”, colocando-se na posição de regente absoluto do que é ético, anti-ético e aético no exercício dessa profissão. Nenhuma sociedade democrática pode prescindir da crítica. E compete aos Governos que desejam melhorar o seu desempenho encorajar as críticas e capitalizar as que são justas. Não compete ao Governo, como transparece do texto da Exposição Interministerial que encaminhou ao Senhor Presidente da República o Projeto de Lei de criação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Jornalismo, fiscalizar e punir as condutas dos jornalistas, cuja profissão compara às profissões técnicas de engenheiro, contador, médico, arquiteto, que não lidam com a massa crítica de informação que constitui a organicidade da vida social e comunitária nos países democráticos. Esta foi a lição deixada por dois expoentes do jornalismo das Américas: Cabot e Joseph Pulitzer, que dão nomes a dois prêmios internacionais. O que parece haver por trás desse Projeto de Lei do Governo é o medo de que os jornalistas se tornem, cada vez mais, nas sociedades livres e democráticas – e é este o modelo que queremos para o Brasil – “agentes políticos”, no sentido de atores mais imediatos no palco dos acontecimentos do cotidiano social, principalmente com o advento da televisão e, nas últimas décadas, da comunicação por satélite e pela Internet. Não é sem razão que países totalitários, como Cuba e Coréia do Norte, controlam e restringem o uso da Internet. O cerne do debate é o direito da imprensa de revelar a privacidade dos homens públicos – debate que se arrasta, há vários anos, no Reino Unido, alimentado pelo caso Diana e as sucessivas revelações sobre a Família Real e sobre os Ministros. Ficou famoso o “Caso Profumo” na Grã-Bretanha. O ataque à “privacidade” dos homens públicos – o que se observa, agora, no caso levantado pelas revistas ISTO É e VEJA sobre os negócios particulares dos presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil – provoca um sem número de questões: de direitos humanos, de conflito entre direitos individuais e a necessidade do escrutínio público, do efeito social sobre a relação (ou contradição) entre vícios privados e virtudes públicas, ou vice-versa. Alguns afirmam, como o analista político José Pacheco Pereira, que “não há limites evidentes (para o público) entre a vida pública e a vida privada dos que ocupam posição de “poder e mando” nos Estados, principalmente a nível de Governo. Como salientou o editorialista da Folha de São Paulo (edição de 08 de agosto), a “mão sinistra” que está por trás desse projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo e dos Conselhos Regionais de Jornalismo, apresentado pelo Ministro Berzoini, vem inegavelmente de um corpo Stalinista, que se acreditava morto. É tão perversa essa idéia quanto a que inspirou a criação da “Agência Nacional do cinema e do Audio-Visual”, que teria voltado para reexame pelo próprio Ministro da Cultura, pois em seu bojo propunha a vassalização da cultura no Brasil, a serviço do Estado. O Governo parece temer a liberdade de imprensa e as críticas. Um Governo que nada teme, encoraja as críticas e capitaliza as que são justas – repito. É este o momento de lembrar, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, as grandes figuras do jornalismo liberal e até panfletário do Brasil no Império e na República, paladinos da liberdade de imprensa como Evaristo da Veiga, Gonçalves Ledo, José do Patrocínio, Luiz Gama, Lopes Trovão, Quitino Bocaiúva, Ruy Barbosa, Euclydes da Cunha, Líbero Badaró, os Mesquita de São Pulo, o Conde Pereira Carneiro, Niomar Sodré Bittencourt, Assis Chateaubriand, Barbosa Lima Sobrinho, Aníbal Freire, Aníbal Fernandes, Gilberto Freyre – este quase assassinado na sacada do DIARIO DE PERNAMBUCO, em 45, pelos esbirros da Ditadura. E avulta essa figura Ciceroniana que foi Carlos Lacerda, como disse José Honório Rodrigues. A informação, seja de onde vier, é a moeda da Democracia. E por isso não existe “boa” ou “má” notícia. Existe a notícia. E, com ela, dentro do jornal, o comentário, que é livre. “O fato é sagrado e o comentário é livre” – diz a velha máxima do jornalismo inglês tantas vezes repetida por Aníbal Fernandes. A notícia do fato faz parte da sacralidade profissional do jornalista, que nenhum Conselho Federal ou Regional tem o direito de vetar, censurar, mudar ou “aconselhar”. Já se disse que o jornalista, ao tratar a notícia, não deve ser pessimista ou otimista. Deve ser cético, sem ser cínico. As responsabilidades do jornal e do jornalista já estão definidas legalmente no Brasil. Não há que se sobrepor nada ao que já existe. O artigo 220 da nossa Constituição (1988) consagra o princípio da livre manifestação do pensamento, da criação, sua expressão e informação sob qualquer forma e sem restrição; e não é possível, no seio de uma sociedade democrática e madura, aceitar “Conselhos” disciplinares, sob o argumento da defesa da ética e, mais tarde – quem sabe? – invadir também o campo da estética, reeditando os métodos de Goebbels na Alemanha Nazista ou o “Realismo Socialista” na Arte e na Propaganda, como nos antigos países comunistas e na ex-União Soviética. Felizmente, tem sido generalizada em todo o país e no exterior à reação a essa tentativa do Governo de “disciplinar” a Imprensa e submetê-la a normas e fiscalizações, através do Ministério do Trabalho. Quero repudiá-la, daqui desta tribuna, com toda veemência, na defesa da livre manifestação do pensamento e do livre e pleno exercício profissional dos jornalistas na sua expressão crítica e responsável sobre os problemas do Governo, do Estado e da Nação, para que os jornalistas brasileiros não tenham que repetir o que disse o jornalista turco Ahmed Elmin Yalman, perseguido em seu país: “Há momentos em que a fidelidade à liberdade de imprensa exige que nos recusemos, os jornalistas, a escrever”. Muito obrigado! Sala das Sessões, em de agosto de 2004. Deputado INOCÊNCIO OLIVEIRA
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