Por: Mário Olímpio Assim quando todos se tornassem ricos, os pretos se transformariam em brancos e os velhos seriam jovens novamente.
Pedra do Reino Encantado
Agosto de 1578... Tomba morto em combate em Alcácer-Quibi, na África, o Rei Português D. Sebastião, em luta contra os mouros. O corpo do Rei, no entanto, não foi reconhecido entre os que morreram na batalha, fazendo circular em Portugal noticias de que o Rei não havia morrido e sim, era prisioneiro dos mouros, sendo enfeitiçado. Logo que o feitiço fosse quebrado, o Rei retornaria para restaurar a grandeza do reino português. As lendas criadas em torno do rei morto chegaram ao Brasil, trazidas pelos imigrantes, fazendo nascer aqui, principalmente no Nordeste, vários focos de fanáticos defensores do Sebastianismo, destacando-se os casos de Canudos, na Bahia e o da pedra Bonita, na Comarca de Serra Talhada. Ano de 1836... Na pequena Villa Bella, comarca de Serra Talhada, sertão de Pernambuco, o mameluco João Antonio fugindo do seu habitual, aparece na rua, mostrando duas pedras brilhantes que afirmava tratar-se de diamantes que havia encontrado na lagoa Azul, perto do Sitio onde morava. Segundo João Antonio, o local da minha havia sido revelado a ele por D. Sebastião, e que próximo ao local existiam duas enormes pedras que na verdade eram as torres de uma catedral encantada, que juntamente com o rei desencantaria para se fazer renascer o tão desejado reino. Dizia ainda que para que se desse inicio ao processo de desencantamento do reino, teriam que ser cumpridas certas profecias, entre elas a que deveria casar com Maria, que era uma das belas moças da região e dessa forma aconteceu, atraindo ainda um grande número de seguidores. Junto com Maria, ele se muda para a pedra Bonita, que já estava sendo muito procurada por moradores de toda a região, fazendo nascer em volta um grande acampamento, que por ordem de João Antonio passou a ter características de um reinado. Devido a muitas pessoas começarem a abandonar a Vila e passarem a viver no “reinado de D. João Antonio e da rainha Maria”, as autoridades locais se preocuparam, levando o Padre Francisco Correia de Albuquerque a ordenar que o mesmo comparecesse na sede da Comarca, onde apreendeu os suposto diamantes e conseguiu isso sem nenhuma resistência do “rei”, achando as autoridades que tudo estava resolvido. No dia 17 de Maio de 1838, na Fazenda Belém, propriedade do Delegado de Policia da Comarca de Serra Talhada, Major Manoel Pereira da Silva, surge de repente um antigo vaqueiro da região, sumido já a muito tempo. Em prantos, ajoelha-se na frente do Major e implora perdão, contanto que era uma testemunha viva de um pesadelo que todos juravam ter acabado e que seu sumiço acontecera devido a ter sido levado para o acampamento da Pedra do Reino, o mesmo formado por João Antonio. Diante da incredulidade do Major, o vaqueiro falou que a comunidade agora era governada por um “rei” João Ferreira que assumira o trono logo após a partida de João Antonio. Até que a comunidade vivera uns tempos de paz, com o que chagavam mais moradores, atraídos pela promessa da formação de um reino onde não haveria pobres. Nos fins de semana, realizavam-se casamentos oficiados pelo “bispo” Frei Simão, investido pelo próprio “rei”.Ao termino da cerimônia,o “rei” distribuía entre os seus súditos uma bebida, que dizia tratar-se de um vinho encantado. Assim quando todos já estavam embriagados começava um tremenda orgia,na qual as novidades eram possuídas inicialmente pelo “rei”, Após o que passavam a ser propriedade coletiva. Nas manhãs de domingo, todos eram obrigados a ouvir as pregações do “Soberano”, que insista que somente regando as Pedras Encantadas com sangue, e que desencantariam D Sebastião,juntamente com seu reinado e sua catedral, ai então o “rei” desencantado. Assim quando todos se tornassem ricos, os pretos se transformariam em brancos e os velhos seriam jovens novamente. Todos que tivessem morrido pela salvação do reino retornariam à vida jovens, belos ricos e imortais. Entretanto, no dia 14 daquele mês, João Ferreira informou a seus seguidores que D. Sebastião estivera com ele durante a noite , dizendo estar triste com todos por não realizarem sacrifícios para restauração do seu reino (o sacrifício consistia em regar com bastante sangue as pedras, caso contrário, jamais ressuscitaria). A loucura tomou conta dos moradores do reino. Parecia que de repente todos haviam perdido a razão... como se fosse um sinal combinado, os guardas do “rei” puxaram seus facões e deram inicio a uma grande matança, executando mulheres, crianças, velhos e animais, o que foi prontamente seguido pela maioria dos presentes, que assassinavam suas companheiras, filhos e pais, e lambuzavam as pedras com o sangue das vitimas. Começava então o período sangrento do Reino Encantado da Pedra Bonita. O vaqueiro apavorado fugiu à procura da fazenda do Major, gastando três dias, escondendo-se no mato para não ser pego pelos Guardas do Reino Encantado. Ao final do terceiro dia de matança, o “rei” João Ferreira tinha lavado com o sangue de muitos as bases de duas Pedras da Serra do Catolé e terrenos subjacentes. Além das dezenas de corpos de homens, crianças e mulheres (entre os quais, seu pai, sua mulher e uma cunhada), foram sacrificados 14 cães, sujos corpos foram colocados aos pés das pedras em grupos simétricos, conforme sexo, idade e qualidade dos mesmo. Estava disposto a continuar a carnificina, quando no dia 17, pela manhã, Pedro Antonio (seu cunhado), indignado pela morte de suas irmãs e julgando-se com mais direito ao reino por ser irmão do 1º rei da Pedra do Reino, disse ao povo que D. Sebastião cercado de sua corte lhe aparecera na noite antecedente e reclamava a presença do “rei” João Ferreira, única vitima que faltava para operar-se o seu completo desencanto. E assim foi feito. Nascia então o terceiro e mais curto reinado, sob o domínio do novo “rei” Pedro Antonio. Antes disso, o povo foi forçado a quebrar a cabeça do rei anterior, a extrair-lhe as entranhas e atar os pés e as mãos do seu cadáver naquelas árvores, por causa dos berros, das roncarias e dos sinistros movimentos que ele depois de morto executava com a boca. A primeira medida do novo “rei” foi transferir-se, juntamente com os seus para outro local um pouco mais adiante das duas torres, no qual deviam desencantar D. Sebastião, visto que a fedentina era imensa, devido aos corpos alastrados pelo chão e já em estado de putrefação. Distante dali devia encontrar-se, no dia 18, com Simplicio Pereira, o Major Manoel Pereira da Silva, para juntos marcharem sobre a Pedra do Reino. Contudo, ao chegarem lá surpreendem-se com a mudança dos fanáticos e inicia-se grande combate entre as duas forças, não dando condições dos homens de Manoel Pereira utilizarem nem sequer suas espingardas. A luta foi de corpo a corpo com um grupo de loucos, cuja idéia era a de martírio e morte para ressurreição e vida eterna feliz no reino de D. Sebastião. Terminada a luta após duas horas do seu inicio, com fuga dos fanáticos e extermínio do Reino Encantado, restavam sobre o campo 22 cadáveres: o do “rei” com 12 dos seus seguidores, inclusive 03 mulheres e os de Cipriano e Alexandre Pereira da Silva – irmão do Major – fato este que o abalou profundamente. Ainda após a luta o Major e seu grupo, chega ao local, como havia combinado, o Capitão Simplicio Pereira, que travou novo combate com os fugitivos, desta vez, perdendo os adeptos do “Reino Encantado”,mas oito companheiros. Em Villa Bella, 11 Km distantes d Serra do Catolé, realizou-se o sepultamento dos irmãos do Major Manoel Pereira da Silva. Embora o primeiro “rei” da Pedra Bonita, tivesse abandonado a região, todos, principalmente a família do Major, atribuíram-lhe a responsabilidades pelas mortes acontecidos na região. Então, o Major enviou homens de sua confiança para trazerem o farsante, porém, na viagem de volta os emissários adoeceram gravemente de malária, e temendo que João Antonio fugisse, matam-no, havendo quem diga que trouxeram as orelhas do “cabra” para a Fazenda Belém. Outras fontes contam que na viagem de volta, ao passarem perto das “Pedras do Reino”, o fanático começou a entoar cânticos estranhos que atordoaram os guardas, que temendo morrerem ou permitirem a fuga do mesmo, acabaram com a vida dele, livrando assim definitivamente toda a região da influencia maléfica do farsante. As Pedras do Reino ou Pedras Bonitas localizam-se hoje nos limites das fronteiras dos municípios de Serra Talhada e São José do Belmonte, marco divisório natural dos dois municípios e ao mesmo tempo marcos vivos da histórias de um povo de todos os habitantes da região.
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