Por: Alexandre Gomes O segundo critério de natureza política que também tem a mesma natureza de ser condição essencial é a honestidade.
Analfabetismo político Alexandre Gomes
Uma velha lenda persa diz que um lenhador estava na floresta prestes a derrubar uma árvore quando sai dela um djin, um gênio maligno que morava na árvore e tenta impedir a derrubada. O gênio ataca o lenhador, mas este se defende e dá uma surra no demônio, deixando-o no chão cheio de ferimentos e volta para cortar a árvore. O gênio então muda de tática e propõe ao lenhador um acordo: colocaria diariamente cinco moedas de ouro debaixo da sua porta se o lenhador não cortasse a árvore.
Desconfiado o lenhador invoca a fama de mentirosos e traiçoeiros dos djins, mas o demônio o tranqüiliza, dizendo que se algum dia ele faltasse com a palavra o lenhador poderia voltar e lhe dar outra surra. O lenhador aceita e volta para casa.
Durante toda aquela semana o lenhador recolhe as moedas de ouro debaixo da sua porta, até que um dia elas param de aparecer. O lenhador espera outra semana e as moedas continuam a não aparecer mais. Revoltado com a traição e já acostumado a viver segundo o padrão que as moedas lhe davam, volta à floresta e encontra o djin, se prepara para lhe dar outra surra, mas desta vez quem apanha e fica prostrado é o lenhador.
Assustado o lenhador pergunta o que aconteceu, já que na primeira vez havia espancado o demônio com tanta facilidade e agora ele parecia tão forte. O djin responde: “Na primeira vez, lutaste pela sua fé e por suas convicções, agora lutaste apenas pelas cinco moedas de ouro!”
Muito da nossa luta pela democracia e pela cidadania no Brasil repete a história do lenhador. Houve tempo no qual todo o povo brasileiro ia às ruas para exigir o fim do regime militar e a restituição do seu direito de voto.
Hoje a democracia já está mais amadurecida e consolidada, mas a descrença de boa parte da população com relação à política e em especial aos políticos faz com que nas campanhas eleitorais tenha mais peso o atendimento a necessidades pessoais, a interesses menores, individuais, do que a preocupação com o Estado e com o coletivo.
Assim se vê campanhas que ou se baseiam no clientelismo, no escambo de votos por favores de natureza pessoal, ou então que buscam convencer o eleitor por razões que nada tem a ver com a política.
Vamos cada um de nós fazer um exercício e refletir sobre os candidatos que já escolhemos. Listem os motivos que levam vocês a votar neste candidato ou naquele.
Provavelmente muitos votarão porque aquela pessoa fez um favor a você ou a algum amigo ou familiar, ou votarão porque ele é conhecido, ou ainda porque é simpático, porque tem carisma, porque parece ser confiável, porque lhe ofereceu um emprego, porque a vizinha da prima do cunhado dele é sua amiga, enfim por toda uma infinidade de motivos que não pertencem ao campo da política.
Neste sentido todos nós somos um pouco analfabetos políticos, porque nosso horizonte, nossos critérios de julgamento não levam em conta o objetivo central e último da política que é a construção da felicidade para todos.
Não queremos mais lutar coma força da nossa fé, queremos apenas as cinco moedas de ouro. Queremos o poder pelo poder, queremos votar para ganhar algo, não para que a sociedade ganhe e por isto pensamos numa ótica exclusiva das relações pessoais. Entre o simpático ignorante e o competente antipático escolhemos o primeiro porque nosso analfabetismo político não nos permite decifrar as mensagens que a política nos traz.
Não pensem que muitas vezes os próprios políticos não se deixam levar por critérios apolíticos de afinidades ou interesses. Mas aquele que realmente tem as qualidades essenciais a liderança política jamais entrará neste jogo fácil, porque isto seria uma violência que ele jamais cometeria contra si próprio.
Weber, no último parágrafo de "A Política como Vocação" destaca o que ele considera como uma condição essencial à liderança política. Diz ele:
"Somente quem tem a vocação da política terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele deseja oferecer. Somente quem, frente a todas as dificuldades, pode dizer ‘Apesar de tudo!’ tem a vocação para a política".
Ele, como tantos outros pensadores, avaliava que o mundo da política tinha duas dimensões muito distintas e, em certa medida, complementares. De um lado existe a noção da democracia como um sistema de equilíbrio, no qual predomina a moderação – derivada da multiplicidade de vontades e regularidade de procedimentos – e que por isto seria capaz de manter juntas – em sua fase madura – forças antagônicas.
De outro lado, existe uma noção, que já existia entre os filósofos gregos, de que o preparo intelectual, espiritual, moral e mesmo físico – porque desde Sócrates se destaca a necessidade do homem que dirige o Estado ser capaz de controlar os próprios apetites e ter disciplina – era condição essencial para qualquer regime.
A partir do momento que a noção de cidadão vai continuamente se expandindo até, nos dias de hoje, abranger quase que a totalidade da população adulta com o sufrágio universal, deveríamos nos preocupar não só com a extensão dos direitos, mas também com a dos deveres.
Mesmo que em diferentes graus, cada cidadão/eleitor/contribuinte é na nossa sociedade contemporânea um agente político também, em especial, mas não somente, no momento do voto. Cada um de nós deveria exercer este direito ao menos com um mínimo daquela parcela de preparo e reflexão que se deveria cobrar de cada homem público.
Assim eu estou certo que a primeira qualidade de todo aquele que está alfabetizado na política é escolher em quem votar, acima de tudo, com base na competência, qualificação e preparo. Antes de mais nada deve se perguntar e responder sinceramente se aqueles candidatos estão preparados para executar as funções que se propõe a exercer. Se não estiver de nada lhe adiantarão as outras qualidades, porque ele fracassará.
O segundo critério de natureza política que também tem a mesma natureza de ser condição essencial é a honestidade. Como dizia Mario Covas, honestidade não é mérito, como tantos afirmam nos discursos, mas sim obrigação. Aqueles que não tem esta qualidade essencial não só aos políticos, mas a qualquer ser humano, deve também ser descartado.
A terceira qualidade essencial é a história da pessoa. As coisas boas e ruins que ela fez no passado, as lutas que ela já enfrentou, a experiência que adquiriu, os testes que a vida e a política lhe fizeram e os resultados que ela obteve neles precisam ser levados em conta até para que se tenha a certeza de que o que ela diz é verdadeiro e se ela tem condições de fazer aquilo a que se propõe.
As demais características de natureza do voto daquele que é politicamente alfabetizado já dependem da convicção e da visão de mundo de cada um. A ideologia, a afinidade com este ou aquele programa e partido e outras questões dependem da opção política de cada um, mas devem ser levadas em conta. Um candidato sem ideologia muito provavelmente representará apenas a si mesmo, alguns talvez nem isto consigam, porque lhes falta o universo mais amplo que só a crença política pode dar.
Alexandre Gomes [ensaio@terra.com.br]
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