Por: Frei Betto Saiba o teu filho escutar o silêncio, reverenciar as expressões de vida e deixar-se amar por Deus que o habita.
Ensina a teu Filho
Frei Betto
Ensina a teu filho que o Brasil tem jeito e que deve crescer feliz por ser brasileiro. Há neste país juizes justos, ainda que esta verdade soe como cacófato. Juizes que, como meu pai, nunca empregaram familiares, embora tivessem filhos advogados, jamais fizeram da função um meio de angariar mordomias e, isentos, deram ganho de causa também a pobres, contrariando patrões ganaciosos ou empresas que se viram obrigadas a aprender que, para certos homens, a honra é inegociável.
Ensina a teu filho que neste país há políticos íntegros como Antônio Pinheiro, pai do jornalista, Chico Pinheiro que revelou na mídia seu contracheque de parlamentar e devolveu aos cofres públicos jetons de procedência duvidosa.
Saiba o teu filho que, no monólito preto do Banco Central, em Brasília, onde trabalham cerca de 3 mil pessoas, a maioria é honrada e, porque não e cega, indignada entre maracutaias de autoridades que deveriam primar pela ética no cargo que lhes foi confiado.
Ensina o teu filho que não ter talento esportivo ou rosto e corpo de modelo, e se sentir feio diante dos padrões vigentes de beleza, não é motivo para ele perder a auto-estima. A felicidade não compra nem é troféu que se ganha vencendo a concorrência. Tece-se de valores e virtudes e desenha, em nossa existência, um sentido pelo qual vale a pena viver e morrer.
Ensina a teu filho o Brasil possui dimensões continentais e as mais férteis terras do planeta. Não se justifica, pois, tanta terra sem gente e tanta gente sem terra. Assim como a libertação dos escravos tardou, mas chegou, a reforma agrária haverá de se implantar. Tomara e regada com muito pouco sangue.
Saiba teu filho que os sem-terra que ocupam áreas dos ociosas e prédios públicos são, hoje, chamados de “bandidos”, como outrora a pecha caiu sobre Gandhi sentado nos trilhos das ferrovias inglesas e Luther King ocupando escolas vetadas aos negros.
Ensina a teu filho que pioneiros e profetas, de Jesus a Tiradentes, de Francisco de Assis a Nelson Madalena, são invariavelmente tratados, pela elite de seu tempo, como subversivos, malfeitores, visionários. Ensina ao teu filho que o Brasil é uma nação trabalhadora criativa.milhões de brasileiros levantam cedo todos os dias, comem aquém de suas necessidades e consomem a maior parcela de sua vida no trabalho,em troca de um salário que não lhe assegura sequer o acesso à casa própria. No entanto, essa gente é incapaz de furtar um lápis do escritório, um tijolo da obra, uma ferramenta de fábrica. Sente-se honrada por não descer ao ralo que nivela bandidos de colarinho branco com os pés-de-chinelo. É gente feita daquela matéria-prima dos lixeiros de vitória que entregaram à policia sacolas recheadas de dinheiro que assaltantes de banco haviam escondido numa caçamba.
Ensina teu filho a evitar a via preferencial dessa sociedade neoliberal que nos tenta incutir que ser consumidor é mais importante que ser cidadão, incensa quem esbanja fortuna e realça mais a estática que a ética.
Saiba o teu filho que o Brasil é a terra de índios que não se curvaram ao jugo português e de Zumbi, de Angelim e Frei Caneca, de Madre Juana Angélica e Anita Garibaldi, Dom Hélder Câmara e Chico Mendes.
Ensina a teu filho que ele não precisa concordar com a desordem estabelecida e que será feliz se se unir àqueles que lutam por transformações sociais que tornem este país livre e justo. Então, ele transmitirá a teu neto o legado de tua sabedoria.
Ensina teu filho a votar com consciência e jamais ter nojo de política, pois quem age assim é governador por quem não tem e, se a maioria tiver a mesma reação, será o fim da democracia. Que o teu voto e o dele sejam em prol da justiça social e dos direitos dos brasileiros imerecidamente tão pobres e excluídos, por razões políticas, dos dons da vida.
Ensina a teu filho que a uma pessoa bastam o pão, o vinho e um grande amor.
Cultiva nele os desejos do espírito.
Saiba o teu filho escutar o silêncio, reverenciar as expressões de vida e deixar-se amar por Deus que o habita.
Frei Betto, escritor de Alfabetto – Autobiografia Escolar.
|